HA-LAPID 5 ========================================= PÁSCOA Simbolo de Liberdade A festa de Páscoa é a maior festa na- cional judaica. Se Pentecostes (Shabuoth) evoca um facto altamente espiritual e civi- lizador-a proclamação do Decálogo,-se sucoth recorda o milagre das cabanas no deserto e se Rosh Hashanah e Kipur são dias dedicados à meditação e ao exame de consciência, a Páscoa comemora a liberta- ção d'Israel no sentido mais lato da palavra. O termo libertação não é mesmo adequado. É mais do que isso. Os hebreus constituíam-se pela primeira vez em nação. O livramento do jugo egípcio acompa- nhava-se duma proclamação de soberani- dade que dava a este livramento todo o seu sentido, todo o seu valor. Livramento e soberanidade eram os dois componentes dum mesmo problema. Os hebreus do Egipto eram perse- guidos como minoria. Ora, para fazer cessar esta perseguição, para atenua-la pelo menos, eles tinham um caminho mais lácil que o êxodo e a marcha no deserto. Era o de se integrar na nação egípcia, de se declararem os subditos leais do rei e limitar a sua luta à conquista das suas liberdades civis e religiosas no limite em que estas liberdades existiam na época. E' possivel e mesmo provável que um esforço deste género tenha sido tentado, pois que certas passagens da Escritura tes- temunham da ligação dos hebreus, se não intelectual pelo menos material, à terra do Egipto. Mas a élite recusou no seu espí- rito toda a ideia de emancipação e de carta dos direitos da homem e do cidadão. As primeiras palavras de Moisés ao apresentar diante de Faraó são para lhe pedir não a abolição das leis tirânicas que faziam de seus irmãos cidadãos de segunda zona, e para dizer tudo escravos, mas a sua saida do pais. Moisés não era homem de meias medi- das. Ele estava convencido que uma mi- noria é sob todos os climas e sempre uma minoria, isto é uma presa fácil. A atitude da humanidade em face das minorias não é uma atitude de heroísmo, mas de co- bardia. Uma minoria sem defesa, é o que há de mais cómodo para a sacrificar em holo- causto aos deuses temiveis do ódio e da bestialidade. Os homens e os povos são constantemente trabalhados pelo instinto de vingança, mas como o inimigo é muitas vezes mais forte-doutro modo não seria um inimigo-eles lhe procuram um subs- tituto, um fraco. E' ele o culpado. Uma minoria é o exutório de todas as cóleras. A sua existência não se jus- tifica senão para que ela sirva para expiar os pecados dos outros-como o bode ino- cente e protestário que se sacrificava ou- trora a Azazel. Moisés não tinha esquecido a lição duma história recente. José, como tantos grandes judeus na Alemanha, tinha pres- tado assinalados serviços ao Egipto. Pela sua inteligência, sua previdência, sem dom de organização, ele tinha salvo o pais da fome. Mas morto José, estes serviços são depressa esquecidos. "E se levantou, diz a Escritura, um novo rei em Mitsraim que não conheceu José". E o exegeta talmúdico corrige: "que fingia não conhecer José". Este comentário é válido para todos os tempos. Israel dará por sequência mais dum José a outros Faraós. Dará ao mundo o Livro dos Livros, dará aos povos o sentido da justiça, lhes ensinará o universalismo, lhes oferecerá este Decálogo de que Renan dizia "que ele é para todas as nações e será durante todos os séculos os Dez Manda- mentos de Deus". Ele lhes trará, durante dois mil anos de dispersão uma larga con- tribuição no esforço intelectual e cientifico das suas élites, mas estes povos-mais exactamente os seus faraós -farão de conta de não conhecer José. Moisés tinha previsto tudo isto. Ele tinha um dom de advinhação agudo. O Homem de Deus, o Pai dos Profetas via o futuro não através dum espelho opaco, através dum véu, uma visão, como era a sorte dos outros profetas, mas nitidamente. directamente. Quando a Escritura nos diz que Moisés conversava com Deus face a face, isto quer dizer que as trevas que en-
N.º 146, Shevat-Nissan 5710 (Jan-Mar 1950)
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