2 HA-LAPID ======================================== pela qual nós poderemos reconduzir as nossas acções, o facho que permitirá nos orientar?" (Zadoc Kahn, Serm. et Alloc. tomo I. pág. 70). Num espírito semelhante, Spinoza dizia (Etica. Livro IV. T. XIV): "Se o verdadeiro conhecimento do bem e do mal pode reprimir uma paixão, isso não será tanto como verdade, mas ela própria é considerada como uma paixão n. Só, com efeito, o sentimento nos pode guiar na moral, como ele nos guia na arte: a santidade e na vida moral o que o gosto é na vida estética. Por falta de poder definir o bem com a precisão do método cientifico, a religião procura fazê-lo atingir pelo sentimento: como a arte, ela não dá regra absoluta; ela inspira. aconselha e guia. Nisso é preciso contudo que ela entre- gue a nossa vida moral à descrição do nosso juizo. Ela põe em relevo os casos importantes guie conduzem à santidade ou que afastam dela. Doutrina da vida e não de escola, ela define as coisas não dum ponto de vista abstracto mas baseando-se sobre a obser- vação da vida corrente. "Não façais como as populações no meio das quais ides viver,-disse Moisés aos Hebreus, na véspera da sua penetração na Terra Prometida-não sacrifiqueis os vossos filhos sobre o altar de Moloch; não vos prostitueis; não vos deiteis com animais; habituai-vos a distinguir entre o que é limpo e o que não o é; sede santos... respeitai pai e mãe; a honra e a vida do vosso próximo, os velhos, os fracos e os infortunados; tende piedade dos desgra- çados; sede honrados, equitativos e gene- rosos; tende horror ao roubo, à mentira. à velhecaria; fugi dos maus sentimentos (ódio, vingança, rancor); em duas pala- vras. buscai tudo o que lavoreça a vida entre todos os homens e evitai o que a pode contrariar". (Lev. XIX, e seguintes). Na época do Talmud (cinco primeiros séculos da era cristã), os sábios de Israel recomendam mais especialmente o sustento dos pobres, a visita aos doentes, a conso- lação aos aflitos, a sepultura dos mortos. Segundo o tempo e as circunstâncias, é preciso assinalar certos actos e passar por cima de outros. Em tempo de guerra ou de perturbações sociais não se poderia actuar com a mesma mansidão que em tempo de paz; nas sociedades onde o tra- balho está bem organizado, a caridade não saberia procurar os mesmos benefícios como naquelas onde as forças de activi- dade ficam sem emprego contra a sua vontade. Segundo as necessidades do momento_ o próprio termo santidade deve evoluir: enquanto que a Biblia se esforça de o tor- nar tangivel aos rudes beduinos do deserto pelas ablações, imersões e sacrifícios, os sábios do Talmud contentam-se em reco- mendar aos seus discípulos o acto meritó- rio (miçvah), e de lhes inspirar o afasta- mento do acto degradante (awerah). Hoje os nossos termos também evoluiram: nós distinguimos actos nobres, correctos, vu1- gares e vis. Mas, a despeito da transfor- mação dos termos e das matizes que lhes correspondem, o mesmo sentimento que guiou os antigos continua a guiar-nos hoje em saber que há actos que podem ou de- vem fazer-se, e que há outros que se não podem fazer. E se a apreciação que nós fazemos sobre cada um deles pode sofrer modificações de detalhe segundo o desen- volvimento da nossa vida, as grandes linhas ficam eternas. A má vontade pode criar distinções fictícias, mesmo em presença dum código perfeitamente explícito: há um sentido que não engana o homem de bem, assim como o gosto não engana o artista ou o sentido dos negócios não engana o comerciante, é o sentimento da santidade. E todo o esforço da doutrina judaica será de o fazer penetrar no coração dos seus adeptos. CAPÍTULO III Realidade do sentimento de santidade Se é incómodo de explicar a razão cien- tifica deste sentimento, nós podemos con- tudo constatar a sua existência e o seu poder. Nós não sabemos demasiado o que é electricidade e contudo servimo-nos dela todos os dias. Os grandes espíritos do judaismo, que se esforçaram para encontrar um fundamento racional para este senti- mento, não puderam pôr-se de acordo para indicar um que seia reconhecido por todos. Mas a diversidade das suas explicações nada prova contra o próprio ideal: ela prova que o seu valor é independente das
N.º 148, Tishri-Tevet 5711 (Set-Dez 1950)
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