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N.º 148, Tishri-Tevet 5711 (Set-Dez 1950)







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 6             HA-LAPID
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              O JUDEU

              (CONTO)

           POR FERNANDO ALBERTO PIMENTEL

Ele morava ali perto, mesmo à beira da
grande fábrica, num recanto de arvoredo
que enquadrava a sua humilde barraca
feita de madeiras e de latas velhas. De dia
andava esmolando, umas vezes perto, ou-
tras vezes bem longe, tão distante que
ninguém sabia por onde andava. Mas o
certo era que, ao cair da tarde, o velhote,
o judeu, que tal era a sua raça, conhecido
por Abraão, aparecia, e arrimado ao cajado,
mirando o chão, as pedras da rua, porque
já não podia andar erecto e se deslocava
até à porta da fábrica; e, num gesto auto-
mático, porque desde há muito o fazia,
estendia a mão aos operários, que, sorri-
dentes, ao bater das cinco, saiam em tor-
rente, palrando sobre coisas variadas e
pueris, tal como crianças azougadas após a
última aula. E, embora fosse alvo dos
mais variados chistes, de piadas e pergun-
tas brejeiras, o judeu permanecia imóvel,
e nos seus lábios delgados e descorados
aparecia a bailar um sorriso de bondade,
um sorriso suave, até o José António, que
antes de lhe entregar a esmola tinha inva-
riàvelmente este dito:

-O que tu queres é aguardente, não
é, judeu?

E ele algumas vezes murmurava, sem
perder o seu sorriso:

-Sabe-se lá, sabe-se lá!

Depois de colher as esmolas, ia para a
porta da choupana e apareciam então as
crianças, a quem ele na sua fala doce e
melodiosa cofiando as suas "barbas cor de
linho", contava histórias que eram o en-
canto e o passatempo da criançada. E tal 
era o hábito daqueles garotos que, mal
ouviam o apito da fábrica, às cinco horas,
logo iam de corrida procurar o judeu. Era
um encanto vé-los. O quadro tinha poesia;
no meio o judeu e de volta, acocorados, os
miúdos atentos. Enquanto o velho ia fa-
lando, aqueles seus olhos cinzentos, esper-
tos como dois ratinhos, adquiriam ainda
mais brilho, tinham a luminosidade arre-
batante das tormosas tardes de Maio...

Quando viera para ali, ainda era rapaz,
ainda o seu corpo se mostrava erecto e os



seus braços fortes para trabalhar. Não
casara. Vivia então para o trabalho, vivia
para a sua fábrica, que, quando ele enve-
lheceu e se tornou fraco, o mandou em-
bora. Os seus vizinhos clamaram que era
uma injustiça, todos lhe queriam dar amparo
e, quando as vozes se erguiam contra a
injustiça praticada para com o judeu, ele,
resignado, com os olhos mais luminosos
do que antes, e voltados não se sabe em
que direcção, replicava:

-É a lei da vida. Eu hoje, voces
amanhã!

Vira a grande fabrica erguer-se, vira, com
os olhos rasos de água, a triste debandada
daqueles que moravam-que tinham as
suas cabanas-nos terrenos que a fabrica
ia invadindo com as suas linhas rectas, as
suas chaminés fumegantes, que manchavam
a claridade quase transparente do céu.

Quando. nessa tarde, ele viu os últimos
partirem com os trastes às costas, ele, sen-
tiu-se só, avaliou quão triste e solitária era
a sua vida. Estava sem amigos, as suas
forças haviam desaparecido e valia-se do
cajado para caminhar. Então voltou-se
para as crianças, criou-lhes amizade, sen-
tiu-se respeitado e venerado e, no seu in-
timo, quando à noite recordava os aconte-
cimentos do dia, pensava:

 -Ainda valho para algo!

A todos metia espécie o que ele fazia
ao dinheiro que angariava; e, ao pergunta-
rem-lhe como o empregava, o velhote, o
Abraão, retorquia com espanto:

-Que faço eu ao dinheiro? Que pode
fazer ao dinheiro uma pessoa que o não
tem?

Mas, mesmo assim, ninguem acreditava
nele.

E murmuravam:

-É esperto, não cai. Vê-se que é
judeu.

A meio do inverno, a fábrica fechou.
O seu apito não tocou mais todas as
manhãs e o Abraão deixou de ver os
operários saírem, "alegres, como em Junho,
um bando de pardais", para os encontrar
todos os dias com as faces carregadas, os


 
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