4 HA-LAPID ======================================== UMA GRANDE DAMA JUDIA DA RENASCENÇA GRACIA MENDESlA-NASSI POR ALICE FERNAND-ALPHEN (continuaçâo do N.° 146) Por isso entre os Maranos e a Inquisição uma longa luta que durou três séculos e foi marcada, dum lado, por uma fidelidade obstinada às tradições familiares, do outro, por delações muitas vezes injustificadas e por cruéis medidas de repressão. Por as razões mais fúteis, pela denúncia do primeiro vindo, eles eram submetidos às piores torturas. As fogueiras estavam sempre preparadas para consumir os infor- tunados que uma imprudência ou uma trai- ção entregavam aos rigores do Santo Ofício. Não é precioso acreditar que na nossa época todos os Maranos tenham desapare- cido. Há alguns anos apenas, em 1925, um engenheiro, enviado ao Norte de Por- tugal para explorar uma concessão mineira, descobriu, completamente por acaso, nas províncias de Trás-os-Montes e da Beira, milhares de famílias Maranas, na maior parte aldeãos e operários iletrados; depois de mais de dois séculos, terem perdido todo o contacto com o judaísmo. Apesar disto, eles observam a Páscoa e Kipur e as suas orações pelos mortos se aproximam muito das do culto judeu-orto- doxo; mas as outras solenidades religiosas, menos ainda que o hebreu, a circuncisão. as leis alimentares, são completamente es- quecidas. Facto notável; é pelas mulheres velhas, pelas avós, que se perpetua a tra- dição; só elas conhecem as orações e as recitam perante a assembleia reunida para celebrar as festas religiosas; só elas tran- mitem às suas filhas o seu saber em ma- téria litúrgica; é pois graças a elas que nós assistimos a este curioso fenómeno de famí- lias portuguesas, ainda conscientes da sua origem judaica quatro séculos depois que os seus antepassados sofreram o baptismo. A situação mudou desde 1925; há hole duas comunidades oficialmente reconhe- cidas pelo governo português em Bragança e no Porto. Esta última cidade é o centro religioso e intelectual dos Maranos, que regressam ao judaísmo, secundados, neste assunto, pelas comunidades sepharditas (isto é de ascendêcia espanhola ou portu- guesa) de Inglaterra. Poucos aconteci- mentos passaram mais despercebidos e contudo poucos são de natureza a inte- ressar mais a história que este episódio último do duelo inigualável entre Israel e a Inquisição. Isto nos oferece edificantes motivos de meditação. Os judeus estavam estabelecidos em Espanha, desde a época romana, talvez mesmo anteriormente; pois antes dos Visigodos e dos Mouros. Os Visigodos foram geralmente tole- rantes, pelo menos até ao século VII, em que se produziram conversões forçadas e mesmo ameaças de exterminação, sob a influência dos bispos. Sob o dominio mussulmano, isto é, du- rante 400 anos, os judeus espanhóis conhe- ceram uma era de igualdade cívica, de liberdade religiosa e de irradiação inte- lectual; médicos, astrônomos, poetas, filó- sofos, eles chegaram a altas situações no exercicio dos cargos oficiais. A longa guerra contra os mussulmanos, que entregou a Espanha à Cruz, não mudou nada a este estado de coisas. Judeus e Maranos, nas províncias reconquistadas, foram tratados com cuidado, e os príncipes cristãos encon- traram neles um precioso apoio no decorrer da luta contra os Sarracenos. Esta tolerância pareceu perigosa ao Papado; no XIII e XIV séculos, os massa- cres tornaram-se frequentes, e é então que as conversões se multiplicaram. "Conver- sos" ou Maranos, formaram uma nova classe da população. Quando da exaltação de Fernando O Católico e de sua mulher, a rainha isabel, em 1474, um "converso" lhes expôs que
N.º 148, Tishri-Tevet 5711 (Set-Dez 1950)
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