HA-LAPID 7 ======================================= olhos mortiços, uns passeando de mãos nos bolsos, outros na taberna, todos eles avassalados com a tragédia que surgira, Havia fome. Uma tarde. o Abraão resolvera dar um passeio, aquecer-se ao sol morno daquele dia de Fevereiro. Também ele andava triste, não por os operários não lhe darem esmola, mas sim por os ver também tristes. Seus passos levaram-no ao jardim que havia próximo e ali ficou, quando, de súbito, ouviu vozes perto de si. Apron- tou-se para escutar. -E como te digo Manuel. Não sei o que hei-de fazer, sinto vontade de acabar de uma vez para sempre com este fadário, com esta amargurada vida. -Não desesperes, homem, replicou o outro. Pode ser que apareça alguém com coração que te dê o dinheiro para com- prares os remédios para a criança. -Quem é que o fará, inquiriu o José António? - Eu! E o judeu surgiu na frente dos dois homens. -Tu? Ora deixa-me rir! -Juro que falo verdade, tornou o judeu. E sacou de um dos bolsos do casaco estarrapado um saquinho. Aqui o tens. -Não quero, tu és pobre, volveu o José António, ainda não refeito da surpresa. -Deves aceita-lo, porque ele também é teu, volveu o judeu estendendo o saco. Os dois homens ergueram-se e deram o braço ao judeu. -Vês, olha se eu fizesse como tu dizias, tinha bebido aguardente e agora não te valia. - Desculpa, Abraão, aquilo era a brin- car... -Também eu nunca pensei que fosse a sério. E os três sumiram-se entre o arvoredo. Os olhos do judeu, naquela tarde, tinham mais fulgor, eram mais luminosos como as tardes de Maio, serenos como as águas dos lagos e o azul do céu... De A República - Lisboa, 6-1-1946. --------------------------------------- Visado pela Comissão de Censura JUDEUS por CARLOS NEVES Na varanda do meu quarto de hotel, sobranceiro ao famoso Tâmega, nesta Ama- rante encantadora, terra de filósofos como Teixeira de Pascoais e de pintores como António Carneiro, acabo de ler as úlimas páginas vivas e sugestivas do livro do meu querido amigo e camarada dr. Manuel Luís Rodrigues "Os Judeus na Palestina". Sin- to-me oprimido pelo sofrimento desse povo nómada que ao fim de tantos anos ainda lhe é negado o direito de ter uma Pátria. Os meus olhos vagueiam pelas terras fér- teis desta terra pródiga. Os vinhedos gal- gam os montes em socalcos. Vejo na minha frente, dorso nu, ofegantes, os pio- neiros judeus, na conquista da terra que os árabes não souberam ou não quiseram aproveitar. Vejo-os construindo os socal- cos da "Aldeia das Uvas", uma das granjas colectivas, tão bem descritas por Manuel Rodrigues e lembro-me, quando era pe- queno, de ver na terra dura do Alto Douro, os trabalhadores, que tudo dão à terra e tão-pouco dela recebem, não por culpa da terra mas dos seus senhores, erguer os muros desses socalcos para transformarem num mar de verdura produtiva o que pouco antes era apenas um monte de terra e pe- dra. Sinto a árdua luta desses judeus lavra- dores, devotados à terra, conquistando-a, não para recolher dela apenas os frutos saborosos, mas para edificarem uma pátria. Quedo-me a pensar nesse povo desven- turado que há longos anos vem expiando um crime que não foi o seu crime, mas dos senhores que então detinham o poder e recearam o Homem que surgiu a procla- mar a Liberdade, a Igualdade e a Fraterni- dade. Depois os meus olhos poisam nos jor- nais do dia e leio com espanto que na inglaterra, essa nação que se bateu para acabar com um regime trágico-o na- zismo; -essa nação que mostrou ao Mundo que esse mesmo regime assassinara seis milhões de judeus; essa nação que sempre defendeu o principio da igualdade das ra- ças, estava a assaltar casas de judeus, a agredir judeus em plena rua. Qual foi o seu crime afinal? Serem irmãos de raça
N.º 148, Tishri-Tevet 5711 (Set-Dez 1950)
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