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N.º 150, Shevat-Tamuz 5712 (Jan-Jun 1952)







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 4            HA-LAPID
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           DAVID MORENO

Morreu, estupidamente, em Angola,
David Moreno.

Um desastre de automóvel-ao que
parece. Um gesto agressivo e raivoso do
Destino a desembaraçar-se de alguém que
o entontecia, há muitos anos, com a sua
acção abnegada e inteligente.

               *
             *   *

Nada há, neste mundo das letras, de
mais triste, do que o artigo "In-Memo-
riam". Duplamente triste. Porque à tris-
teza da lembrança, em si, do desaparecido,
se une a tristeza da forma, forçosamente
banal e monótona e até, algumas vezes, a
de opinar, seu génio, de alguém que foi
genial. Eis porque eu não quero acumular
tristeza sobre saudade.

O que se segue é uma manta de reta-
lhos pequenos e desalinhavados...; e o que
para mim representou a morte de David Mo-
reno, não é coisa que se traduza em palavras.

O Judaísmo português perdeu assim, um
dos seus grandes obreiros. É que David
Moreno com os seus defeitos e com as
suas qualidades, representava o "Mara-
nismo" -como poucos, até hoje, o soube-
ram fazer.

Educado no instituto Teológico israelita
do Porto e um dos mais devotados discl-
pulos do Capitão Barros Basto, David
Moreno, personificou em si, durante al-
gumas décadas o movimento da redenção
do judaismo portugués.

Não é fácil comprimir dentro de uma
crónica -essa curta existência de... anos.
Basta que a noticia fatal nos toque ao de
leve, para logo faiscar da nossa memória
um "filme" de longa metragem pleno de
aventuras, de episódios curiosos e até inve-
rosímeis.

Formado em engenharia pelo I. I. do
Porto, David Moreno podia, se quisesse,
ter deixado, tanto no jornalismo como na



literatura, um nome. Era vivo, rápido;
possuidor de uma inteligência oportuna e
quase sempre brilhante. Tinha "jeito" o
feitio - valorizador por um bom gosto
invulgar.

Não quis. Em vez de escrever a vida
- preferiu vivê-la.  E como não era rico,
nem nascera em Paris, nem sobre os seus
pés se abriam alçapões da sorte-quis ele
próprio projectar-se, num prodígio de habi-
lidade, aos paraísos ambicionados.

                *
              *   *

Embora eu fosse mais ou menos, con-
terrâneo de David Moreno. Pois que este
nascera em Freixo-de-Espada-à-Cinta, só o
vim a conhecer no Porto.

No entanto conheci de cor o titulo de to-
das as suas crónicas, publicadas nesta folha,
onde hoje evoco o seu desaparecimento.

O retrato de David Moreno, que salti-
tara algumas vezes sob os meus olhos, ao
folhear magazines-fixara-se para sempre
na minha mente... E antes de o conhecer
-já o conhecia: moreno, uns olhos claros
permanentemente alvados, numa expressão
mixta de sono e de sonho, um rictos de
fadiga, de "blasé", arrepanhando-lhe um
canto da boca; cabelo levemente encaraco-
lado a surdir um chapéu de grandes abas.

E por isso, quando naquela manhã de
inverno, o descobri à porta da Sinagoga-
senti o vermelhão das grandes horas!

E fui até ele; e abordei-o..., e apre-
sentei-me, seguidamente conversamos so-
bre tudo e todos...

Não lhe faço o necrológio, não! David
Moreno não morreu- afastou-se de nós
porque seu espirito luminoso, claro, genial,
evoluiu e, em mundos melhores, certo, não
esquece os entes caros que deixou na terra.

                       Amílcar Paulo



 
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