2 HA-LAPID ====================================== FUGITIVOS O pequeno David estava sentado a um cantinho e olhava, admirado, para tudo que acontecia naquela noite mis- teriosa. Lia, a irmã mais velha, tinha ido acorda-lo e ajudara-o a arranjar-se rapidamente e obrigara o a vestir roupa sobre roupa. Ele perguntara para que era, mas Lia respondera, baixinho, que se calasse, que não fizesse perguntas, que fosse obediente, ao menos só na- quela noite. Porquê? -Porque é preciso. Vamos todos sair, vamos para longe... Está muito frio e a mãe disse que te vestísse toda a roupa que pudesse... -Para qué. Lia? Assim, mal posso mexer-me... E para onde vamos nós, a esta hora? Eu estava a sonhar que o pai me tinha dado outro cavalo, aquele que vimos ontem na montra... Tenho sono... Para que vieste acordar-me?- e começou a rabujar e a esfregar os olhos com as mãozitas fechadas. A irmã aborreceu-se: - Cala-te, David! Põe-te direito! Veste o casaco, vamos! Segura bem as mangas da camisola, assim, para não fugirem. Tenho tanta pressa! Meu Deus! Por que não compreendes tu a nossa pressa? Anda, vá! Que mau que tu és! Assim tenho que chamar a mãezinha... Deixa-me acabar de te vestir... Dou-te um chocolate amanhã, se estiveres agora com muito juízo... Lia estava quase a chorar e as suas pequenas mãos procuravam, atrapalha- damente, abotoar todos os botões do fato do irmão. Depois, vestiu-lhe o sobretudo, mas já não pôde abotoá-lo por cima de toda aquela roupa. Deixou o assim mesmo e disseelhe que atasse os sapatos e pusesse o boné na cabeça e desapareceu, a correr. O pequenito sentou-se a fazer o que ela lhe dissera, mas dificilmente conse- guia chegar aos sapatos, porque o sobre- tudo o apertava imenso. Como já estava bem desperto, come- çou a olhar para tudo. No pequeno vestibulo estavam duas malas de viagem, ainda abertas mas completamente cheias, e mais três malas de mão, também já prontas. .e alguns embrulhos grandes e outras pequenas coisas espalhadas pelo chão. Havia uma enorme desordem por toda a casa. A mãe andava apressadamente dum lado para o outro: abria armários, revolvia gave- tas, desarrumava coisas. Fazia tudo em silêncio e só, de vez em quando, dava uma ordem rápida à Lia, que corria a obedecer-lhe. Estranhou que a irmã estivesse assim. tão obediente. A mãe costumava ralhar- -lhe, também, por ela ser teimosa. Mas agora, não. Corria daqui para ali, sem ruído e parecia, até, querer adivinhar as ordens da mãe e a sua carinha estava afogueada e os cabelos já lhe caíam para os olhos O pai também andava atarefado, no escritório. Trazia cartas e papéis e quei- mava-os no fogão. Depois voltava para o escritório... O menino foi atrás dele e ficou encostado à porta, a olhar. Re- parou que o pai, que era sempre tão alegre, estava muito pálido e com uma expressão de sofrimento que David nunca lhe vira. Que teria acontecido? Teve vontade de ir beijá-lo e perguntar-lhe. mas ficou onde estava e o pai, quando passou, à pressa, ia tropeçando nele e mandou-o ir-se embora e sentar-se sos- segadinho ao pé das malas: -Vai, anda, e se estiveres lá quieto. dou-te amanhã um chocolate. Mas agora deixa o pai acabar este trabalho, porque não há tempo a perder! A sua voz era meiga, mas grave e o menino sabia que lhe devia obe- decer. Estava muito admirado e começou a sentir medo. Estranhou, até, que todos lhe prometessem chocolates só para que ele se conservasse quieto e calado e aquela agitação, em que os mais velhos andavam, e aquele silêncio que envolvia a casa, maior susto lhe causavam. Aquela
N.º 153, Shevat-Elul 5715 (Jan-Ago 1955)
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