HA-LAPID 5 ======================================= VÁRIAS NOTAS O meu velho e querido amigo dr. Crispiniano da Fonseca, antigo Juiz de Investigação Criminal, ilustre parla- mentar em várias legislaturas e actual- mente um advogado muito distinto em Marco de Canavezes, escreve-me: "Nem os anos, nem as duras prova- çoes da vida lograram ainda embotar em mim o ingénito espírito de revolta contra tudo o que representa uma fla- grante injustiça ou manifesto contra- senso! Um grupo de portugueses, im- portante, não pelo número, mas pela elevada posição de alguns dos seus com- ponentes, calcando aos pés a tradicional bondade e tolerância do nosso povo, julgando-se possivelmente em plena idade das trevas, alimenta desde há muito ine- xorável campanha contra os indivíduos da raça judaica, em geral, qualificando-os de raça maldita e insultando os com o epíteto de comunistas e com outros de igual jaês! Por certo, ainda ninguém chamou a sua atenção para o caso, senão Você, dessa prestigiosa e popularíssima tribuna que é hoje a secção das "Várias Notas", té-lo-ia já focado. Nenhum inte- resse moral ou material me liga aos israelitas, sendo certo que nenhum conheço pessoalmente; reprovo, porém, inteiramente aquela atitude, porque, além de injusta e descabida, a reputo incon- veniente para as relações de boa paz e amizade que hoje, neste ponto crucial da história da Humanidade, mais devem unir-nos. Ignoram os autores daquela campanha que muitas das mais gradas famílias do distrito de Bragança e da província da Beira Baixa, conhecidas pelas suas ideias conservadoras, se or- gulham de ser muito próximos descen- dentes de judeus?! Ignoram os mesmos senhores que se ufanam de tradiciona- listas que o glorioso Príncipe de Boa Memória, com um enxerto em castiça cepa judaica, criou uma das mais nobres famílias portuguesas?! "Não são esses os visados"-dir- -se-ão os teimosos e imprudentes detrac- tores da raça semita! Mas então quais são? Certamente, não se pretende atin- gir com tais injúrias meia dúzia de dis- tintas famílias hebraicas residentes em Lisboa e Porto, aliás bem conhecidas também pelas suas excelsas virtudes e sentimentos conservadores. A campanha será então contra os chamados judeus internacionais ? Mas vejámos: é psssivel coerentemente, por hipótese alcunhar com intuitos manifestamente pejorati- vos, de mulato o mestiço residente em África, sem ferir igualmente o que reside na Metrópole ? !... Seria também uma afronta feita aos sentimentos cristãos do povo portugués dá-lo como solidário com as selváticas crueldades praticadas em milhoes de judeus pelos nacionais-socialistas. Ninguém também acreditará que este ------------------------------------- Lia. Mas ele começou a chorar mais alto:-Não quero ir ao teu colo! Não quero! Quero ir com o avózinho!-e estendia os braços para ele. Deram os volumes à menina e o avó pegou, ter- namente, no pequeno David. A mãe, sempre agarrada à sua mala, sentou-se no banco da frente, ao lado do pai e fechou a porta com força. Cho- rava agora como uma criança... O carro pôs-se em movimento e o menino espreitou pela janela: -Bop ! Bop ! Adeus ! - um latido res- pondeu-lhe do jardim. Depois do latido tornou-se num uivo doloroso, como um grito. David disse adeus, com a mãozinha fora da janela, olhando sempre para a casa que se afastava. Quando deixou de a ver, encostou a cabeça ao peito do avó e continuou a chorar baixinho, enquanto rodavam rapidamente pelas ruas silen- ciosas e tristes... HANID STELA
N.º 153, Shevat-Elul 5715 (Jan-Ago 1955)
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