HA-LAPID 3 ====================================== hora, todos costumavam estar a dormir. Por que seria tudo aquilo? Viu passar a irmã, junto dele, e agar- rou-lhe o vestido: - Lia, diz~me, para onde vamos? - mas ela sacudiwlhe a mão e foi-se em- bora sem lhe responder. Olhou para o fundo da casa e viu a mãe, que continuava de roda das gave- tas. A luz batia-lhe em cheio e David pôde ver que grandes lágrimas corriam silenciosamente, pelo seu rosto suave e lindo. Teve, então, a certeza de que alguma coisa muito grave caira sobre as suas vidas e sentiu-se muito peque- nino e muito só, sem ninguém que o consolasse. Bateram levemente à porta, com as pontas dos dedos. Ninguém ouviu. Tor- naram a bater, devagarinho, e o menino levantou-se e foi abrir. Ficou mais contente, por que era o avô. Mas ele vinha, também, com uma cara muito triste. Olhou para David e para todas as coisas que estavam no vestibulo, sentou-se, pesadamente, numa cadeira e suspirou fundo, como se esti- vesse muito cansado. O menino encos- tou-se-lhe às pernas: -Avôzinh, para onde vamos ? - ele pegou-lhe ao colo, abraçou-o, beijou-lhe a cabeça e ficou calado-Por que não me dizes, avôzinho? Já perguntei à Lia, mas ela não me respondeu. Já fui ter com o pai, mas ele mandou-me embora... Andam todos a correr e ninguém me dá atenção... Ninguém quer saber de mim, ninguém me diz nada... Que aconteceu, avôzinho? Tenho tanto medo... O avô olhou-o, muito sério. Parecia que estava muito mais velho e que tinha a barba ainda mais branca. Depois falou baixinho só para ele ouvir, assim como costumava falar quando lhe contava histórias: -Tu já és um homenzinho, meu filho, e já podes saber estas coisas... Temos que sair da cidade esta noite; não podemos continuar mais tempo aqui... -Nunca mais voltaremos à nossa casa? - Talvez não, David... Mas não cho- res, senão o avó nunca mais te conta nada e faz como a Lia e como o pai... O avô diz-te estas coisas para tu saberes, para tu compreenderes, melhor conhe- cer a verdade do que estar cheio de medo sem saber de qué, não é assim?-ele disse que sim, com a cabeça, e sentiu o seu pequeno coração estranhamente oprimido. A sua casa era o seu mundo. Para onde iria agora? Seria por isso que a mãezinha chorava? O avô conti- nuava a olha-lo, muito sério: - Então, David. é preciso aprender a ser um homenzinho corajoso e forte! Não vês que o pai não chora, nem o avó? - Mas porque é que temos de ir em- bora? - Porque há homens maus, na nossa cidade, que nos querem prender... -Mas nós não fizemos mal nenhum, pois não, avô? -Não, meu filho, não fizemos, mas temos que fugir antes que nos pren- dam... Tu não podes compreender por que és muito pequenino... A Alemanha está dividida. Deste lado, onde nós vi- vemos, estão esses homens maus, que nos perseguem sem motivo, e nós agora vamos fugir para o outro lado da Ale- manha, onde ninguém nos perseguirá, compreendes? Se conseguir-mos fugir, a tempo, não nos prendem. Por isso todos andam com pressa, porque cada minuto que passa pode pôr em perigo a nossa liberdade, pode fazer-se tarde... Mas não chores. David! Deves estar, até, muito contente por que, se não fu- gissemos, seríamos metidos em campos de concentração e talvez morressemos todos... Muitos já lá estão, porque não tiveram tempo ou não puderam fugir... Embora a nossa desgraça seja muito grande, somos. ainda assim, bem mais felizes do que eles... O menino ficou a pensar, um ins- tante. -Então, se já não voltamos para a nossa casa, eu vou buscar os meus brin- quedos, para levar... -Não é possivel, filho. Não ves tan- tos embrulhos e tantas malas? Como havemos de levar, também, os teus brinquedos? David saltou do colo do avó: -Mas eu não quero ir-me embora sem eles e sem o Bop. Eu gosto
N.º 153, Shevat-Elul 5715 (Jan-Ago 1955)
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