6 HA-LAPID ======================================== BENJAMIM, O MARANO ...Benjamim dava-lhe conselhos, mas não insistia muito. Tinha pena dele e, no fundo, quase lamentava nunca ter podido ser assim, nunca ter possuído aquela alegria vibrante, aquele desejo doido de viver o momento presente, sem pensar no futuro, nem no passado e sem se atormentar com coisa alguma. Mesmo em casa do pai, nunca tinha sido assim, tão despreocupadamente feliz. Era vivo, era alegre, mas bem cedo começara também a conhecer a tristeza e a amargura. A educação fora bem a dor alheia... Desde menino que ouvira a história triste do seu povo e que lhe povoavam os sonhos infantis os fantasmas horri- veis dos "ghetos" das perseguições injustas, de toda a tragédia do Israel sem pátria, errando pelo mundo sempre com os olhos fitos na Terra Prometida. na "terra de Leite e Mel", caída sob o jugo estrangeiro, atrasada, destruída e pilhada. Apesar de português ferrenho, de açoreano dedicado e sincero, eterna- mente saudoso da sua ilha e da sua casa, havia no coração de Benjamim um outro amor ainda, um outro sonho, uma outra saudade lendária, envolta numa bruma de tradição e mistério: a Palestina. Esse amor em nada prejudicava o amor pátrio. Era totalmente diferente. Benjamim amava os Açores, porque via a sua terra. Ali tinha nascido, ali tinha vivido, ali estava o seu lar, a sua família. Portugal era a sua pátria ado- rada e querida e a sua ilha um torrãosi- nho dessa Pátria. Quando pensava na Palestina não sentia o mesmo que quando pensava nos Açores. Não, seria tão difícil expli- car o que sentia, se tivesse que explicar! Esse pais perdido e distante, era um sonho. Era a Terra Sagrada onde Deus dera a Lei a Moisés, onde se erguera o Templo, onde tinham vivido os seus antepassados. A Palestina era a própria Biblia, a Terra de Israel, a Terra Pro- metida. Se lhe perguntassem: - Queres ir viver para lá? Ele diria: -Não! Eu não deixaria a minha terra pela Palestina! Todavia, se lhe dissessem: -Tu serias capaz de dar a tua vida para que a Palestina fosse libertada e novamente entregue a Israel? Benjamim não hesitaria e responde- ria imediatamente que sim. Não desejava a antiga pátria perdida para si, porque era portugués e tinha -------------------------------------- dos "pogromos", os traços da fome e da desventura, tatuagens que jamais desaparecem". Apesar de nascido e criado em Por- tugal, sua Pátria adorada e querida, o coração sensível e generoso do Dr. Au- gusto d'Esaguy não podia ficar indi- ferente perante o sofrimento do seu povo. Voluntàriamente o ilustre escritor conheceu e conviveu de perto com cen- tenas de refugiados polacos, romenos, húngaros, com toda "essa massa hetero- génea" que, fugindo ao terror nazi, aqui passou por Lisboa "a caminho de outras terras, possuindo como único bem, o bilhete de passagem cedido por uma Associação de caridade". Sentiu-lhes o drama, ouviu-lhes as queixas e enxugou- -lhes as lágrimas, ajudando-os, incansa- velmente, em tudo quanto pode. Talvez por isso, nestas páginas vi- brantes, nós encontramos a cada passo a mágoa, a dor e a revolta por todas as injustiças cometidas. Em "Europa 39" e "Inglaterra 40" o Dr. Augusto d'Esaguy continua a fazer passar diante dos nossos olhos, com um realismo admirável, a trágica odisseia dos judeus que, nos paises invadidos pela Alemanha, foram sendo sistemati- camente massacrados, espoliados, fuzila- dos sem julgamento ou condenados aos maiores horrores nos campos de con- centração nazis. (Continua).
N.º 155, Tishri 5718 (Set 1957)
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