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N.º 077, Heshvan-Kieslev 5697 (Out-Nov 1936)







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 6            HA-LAPID
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e popular compositor, chamado D. Ma-
noel, predileto daquele rei, escreveu o
Kal Nidré ao qual adaptou uma admirável
música que judeu algum ouve sem emo-
cão. Faz parte da cerimónia da noite de
Kípur (Expiação).

D Manoel foi também uma vitima do
horrível monstro que era a Inquisição.
Como quási todos os maranos dá-nos um
exemplo de fé que não pode deixar de
ser admirado. O seu amigo El-Rei D. Fer-
nando, que assistiu á cerimónia e execus-
são do auto, quiz libertá-lo com a con-
dição de que êle, D. Manoel, se arrepen-
desse publicamente e jurasse fidelidade á
religião cristã. Esta proposta, aliás bene-
vola, foi recebida e recusada com a maior
repugnância. Mil vezes a morte preferiu
D. Manoel Cantou então a sua última
composição para o Kol Nidré, pronunciou
o Shema Israel e lançou-se ao fogo que
imediatamente o devorou.

Esta melodia cantada já nos braços da
morte pelo grande compositor D. Manoel,
ficou sendo uma melodia tradicional que
se ouve nos lares judaicos do mundo in-
teiro e o seu ilustre autor é um vulto que
vai ocupar mais uma página no horrivel
martiriológio de Israel, martiriológio de
que ele se pode orgulhar porque repre-
senta um exemplo de fé e abnegação que
nação alguma possue.

Aproximadamente seis séculos são pas-
sados, razão porque a sua origem estava
já quási, por assim dizer, esquecida.

O nussah (ritual) foi, segundo conta a
tradição, composto na península Ibérica
nos tempos em que os maranos eram obri-
gados a reunir-se em esconderijos, por
vezes subterrâneos, na noite de Kipur
começavam por recitá-lo fazendo portanto
a anulação de votos:

"Todos os votos que fizemos, todos os
compromissos que tomámos, todos os ju-
ramentos que pronunciámos, todas as in-
terjeições que nos ímpusemos, todos os
anatemas que sôbre nós lançámos, seja
qual fôr a sua forma, desde o último dia
de Kipur até ao presente dia de Perdão,
chegado para nós em paz, são declarados
sem valor e devem ser considerados abso-
lutamente nulos".

Era assim que os nossos antepassados,
maranos, se desligavam de tudo quanto



eram forçados a fazer por ocasião do ba-
tismo cristão a que eram violentados pela
sangrenta Inquisição.

Os sons musicais do Kol Nidré são,
sob este ponto de vista, bem mais elo-
qüentes do que nós. Ouvindo-o sente-se
o choro daqueles almas doridas repizadas
e vexadas. E bem uma tragédia humana
em que homens são forçados por outros
homens, seus inimigos figadais, a fazer o
triplo sacrifício de adorar publicamente
aquilo que detestavam, demonstrar ami-
zade e dedicação àquêles que eram os
seus tiranos e romper as brilhantes tra-
dições, que através os séculos, os ligavarn
aos seus irmãos perseguidos e, como eles,
martirizados. Foi a esses irmãos desapa-
recidos que o marano D. Manoel se quez
ligar e quez ligar os seus correligionários
para toda a eternidade.

E assim foi. Lá estão êles ainda e sem-
pre aterrorizados nas sertanejas aldeias de
Traz-os-Montes e Beiras sobretudo.

Ouvindo o Kol Nidré vai-se desenro-
lando a conhecida tragédia que se nos de-
para sempre que voltamos as costas e con-
templamos o passado. E, vista a frio, é
simples essa tragédia:

"Um subterrâneo palidamente ilumi-
nado. Os sons do mesmo Kol Nidrê que
se vão elevando gradualmente. As vozes
sofocantes e cheias de terror ao verem que
os esbirros os assaltam. O tinir dos fer-
ros que lhe prendem as mãos. A marcha
rápida e forçada para as masmorras da
inquisição. Os suspiros de desalento dos
encarcerados. As ásperas vozes dos in-
quisidores. Gemidos e gritos provocados
pelas torturas com que lhe arrancam de-
clarações. A marcha lenta e solene para
as fogueiras. As promessas de salvação
se se arrependessem de tudo quanto ha-
viam feito. Vozes ásperas. Os sons do
Shema e, finalmente, o rugir das multidões
e o crepitar das chamas".

                  NORBERTO A. MORÊNO

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Visado pela Comissão
de Censura


 
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