6 HA-LAPID ========================================= UMA CARTA-LEI DE POMBAL POR MANUEL MENDES Há já alguns anos, nas colunas deste mesmo jornal, lembrei que a data de hoje devia ser para nós, portugueses, um motivo de júbilo e, se possível, de orgulho. E' de 25 de Maio do ano de 1773 a carta-lei do Governo pombalino, que para sempre ex- tingue as terríveis diferenças de condição entre cristãos velhos e novos. Após quase três séculos de persistente e impiedosa sanha contra os individuos de "sangue im- puro", contra a "nação" de Israel, um vento de tolerância começa a soprar sobre a terra portuguesa. Dado este primeiro passo, em breve a sombra do Santo Ofício se extinguirá para sempre, e com ele o seu infindo cortejo de mártires, de perseguidos, de difamados. A queda do nazismo, regime caracterizado pela maior e mais bárbara fúria que ainda sofreu o povo eleito, fez-me então lembrar esta data e o decreto de Pombal. Agora, é a fundação dramática da pátria do povo errante que de novo mos vem recordar. Não vos deve, portanto. parecer despropositada esta insistência, que afinal se resume a meia dúzia de palavras de lembrança, embora as inspire esse sen~ timento de júbilo verdadeiro. Por toda a Europa culta, no século XVIII, a acção e os feitos da Inquisição eram àsperamente criticados. O espirito livre e o racionalismo dos homens de sete- centos não podiam ver com bons olhos o Santo Oficio. Alguns grandes escritores, e entre eles Voltaire, por exemplo, denun- ciavam ao mundo as suas violências, e a sua terrível e sanguinária intolerância. Nesses escritos, o Tribunal da Fé era dado como exemplo do mais completo fanatismo. De resto, tanto os inquisidores haviam pre- gado, tamanha e tão teimosa era a sua vi- gilância, e, ao mesmo tempo, os foragidos que procuravam asilo nos paises do norte da Europa mostravam tais e tão brilhantes qualidades de trabalho e de engenho, ga- nhando assim fama, que por toda a parte o nome de português era tido como sinó- nimo de judeu. Nestas circunstâncias cria- ra-se ambiente para uma autêntica campanha internacional contra a obra de "purificacão" racial e religiosa a que se entregavam os juízes da inquisição. Nessa época, o Santo Ofício era considerado como uma mácula que atingia a nação inteira, uma vergonha nacional. Estes clamores do mundo não podem ter sido estranhos à decisão de Pombal, por muito duro e violento que haja sido o seu carácter, a sua indiferença pelo que dele podiam pensar os outros. No entanto, já nas palavras dos políticos e intelectuais portugueses que haviam desbravado e pre- parado o caminho para a sua administração, a repulsa por esta espécie de perseguições é patentemente formulada. Também da parte de muitos e dos melhores dos portu- gueses se ouvia o mesmo clamor e os mesmos protestos. O grande D. Luis da Cunha e Alexandre de Gusmão, por exem- plo, tomaram uma posição nitidamente to- lerante em face do problema. Aqui, como em outros passos do seu governo, o minis- tro de D. josé I ouviu e acatou os conselhos dos mestres. E' sabido que durante muito tempo Pombal aceitou e serviu o Tribunal da Inquisição. Sabe-se até, de fonte segura, que foi seu "familiar". Mas o que também não pode haver dúvida nenhuma, é que, após mais de dois séculos de libérrima, arbitrária e cruel soberania sobre as cons- ciências dos homens portugueses, foi Pom- bal que lhe deu o golpe de misericórdia, que de uma vez para sempre lhe tirou toda a virtude e todo o poder. E a varinha mágica que fez este milagre foi o decreto ou carta-lei de 25 de Maio de 1773. Por essas disposições legais ficava proi- bido que em público ou em particular se usasse qualquer designação deprecrativa ------------------------------------------- ficação do pleno estio pareceu insuficiente para justificar um apelo de santidade (Micrah Kodesh), e eles lhe ajuntaram a ideia da colheita de que Israel é mais orgulhoso, a colheita moral da THORAH, fruto divino, brotado na terra fecunda de Israel. (Continua).
N.º 151, Shevat-Tamuz 5713 (Jan-Jun 1953)
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