HA-LAPID 3 =================================== -Mas hoje é a festa de Hanukáh e temos de acender o candeeiro! Nem um mendigo pode deixar de acendê-lo! É preciso encontra-lo!-exclamou o marido, quase zangado-Que mulher és tu, que não sabes de nada? Raquel curvou a cabeça, onde os cabelos brancos começavam já a multi- plicar-se. O seu rosto magro e precoce- mente envelhecido, em nada se poderia comparar com o daquela outra Raquel por quem, séculos antes, Jacob tão apaixonadamente servira. -Logo é que chegámos... Se tives- semos festejado primeiro a Hanukáh... -murmurou baixinho. Ele encolheu os ombros, num gesto brusco: -Bem sabes que não era possível. -- viu o "ghetto" de onde haviam fugido- Ou hoje ou nunca! Nem sempre se encontra quem nos queira ajudar... A mulher recomeçou a desfazer em- brulhos. Sobre os seus ombros cur- vados, pesava naquele momento toda a miséria passada, toda a angústia sofrida... Talvez agora, naquela nova terra, a sua vida se modificasse e fos- sem felizes... Diziam que aquele povo era melhor, mais tolerante... Talvez se acabassem as humilhações e as injusti- ças... Joshua afirmara-lhes que valia a pena tentar e oferecera-se para os con- duzir. Arranjara-lhes casa e prometera, também, um emprego melhor para o marido... As crianças poderiam ir à escola, com as outras... Deixariam de viver isolados, emparedados no "ghetto", como até ali... As Suas mãos continuavam a revol- ver coisas, os braços cansados doiam e pediam repouso, mas o espírito inquieto e iluminado por uma leve esperança, pairava longe. Recordou-se dos outros anos, das outras festas de Hanukáh. Apesar da miséria em que viviam, sempre tinham acendido o candeeiro, depois do sol posto, e sempre a alegria enchera as suas almas ao comemorar as vitórias dos Macabeus, a libertação de Israel e a res- tauração do Templo. As luzes festivas de Hanukáh todos os anos avivam a esperança, a fé inaba- lável do povo hebreu no seu regresso à patria distante, que jazia subjugada por estrangeiros como outrora, no tempo dos Macabeus, sob o poder de Antíoco Epifânío. Quando pensava no martírio de Hannah e de seus sete filhos, há tantos séculos, Raquel recordava também os "pogroms", as perseguições a que já assistira. Lembrava-se dos pais, sacrifi- cados em defesa da sua fé; lembrava-se das coisas horríveis que tinha visto e, momentâneamente entristecia. Olhava, porém, para o candeeiro iluminado. Não tornariam a aparecer novos Macabeus capazes de lutar pela libertação do seu povo? Sim! Embora mais doloroso e mais prolongado, o cativeiro que os oprimia não, seria eterno. Algum dia a história de Hanukáh se repetiria! E as luzes acendiam-se em todas as casas, comemorando o milagre e a vitória do passado, com os olhos pos- tos no futuro e no destino do povo escolhido. Todavia, naquele ano, as luzes não se acenderiam... Raquel sentia 0 cora- ção confrangido, como se toda a sua alma estivesse de luto, Como era possí- vel que o candeeiro de Hanukáh tivesse desaparecido? Onde estaria? Iria nal- gurn embrulho, perdido pelo caminho? Mudos, tristes, os filhos e o marido esperavam. Raquel pegou no mais peque- nino que, novamente, se lhe agarrara à saia. Beijou‹o, com os olhos enevoa- dos de lágrimas: -Espera, meu filho, espera... mas a criança, escondendo a cabeça no seu colo, murmurou; - Tenho fome... Desesperada, a mãe foi buscar pão e reparou em todos os olhos ávidos que a seguiam; -Não posso! Nao posso procurar mais o candeeiro! Do outro canto da casa surgiu então David, o filho mais velho: -Mãe, eu tenho aqui um... -Deixa ver! David aproximou-se e entregou-lhe um candeeiro de folha, ferrugento e velho. -Não é esse!-exclamou a mãe, desolada--Era o novo, de metal, que eu queria!
N.º 156, Tishri 5719 (Set 1958)
> P03