2 HA-LAPID ===================================== António José da Silva (0 Judeu) António José da Silva, filho do advo- gado ]oão Mendes da Silvae de Lon- rença Coutinho, nasceu em 1705, no Brasil, então colónia portuguesa. Formou-se em direito, em 1726, na Univerdidade de Coimbra. Desde muito novo. porém, revelou grande vocação literária e a sua primeira peça teatral "História do Grande D. Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança" foi representada no teatro do Bairro Alto, em 1733, com extraordinário êxito. Seguiram~se "Esopaida" e "Encantos de Medeia" que em 1735 obtiveram, igualmente, grande sucesso. Em 1736 representaram-se mais duas peças suas; "Anfitrião" e "Labirinto de Creta", com idêntico triunfo. No carnaval de 1737 apareceu uma nova peça ou ópera joco-séria, intitu- lada "Guerras do Alecrim e Mangerona" que, como as anteriores, foi delirante- mente aplaudida. Escreveu ainda "Variedades de Pro- teu" e "Precipício de Faetonte". As suas peças eram tão engraçadas que toda a gente corria ao Bairro Alto, para não perder as "óperas do judeu", como então lhes chamavam. E tão Viva e imorredeira era essa graça que duzentos e vinte anos depois, torna a ressurgir das cinzas do passado com o reaparecimento de "Guerras do Alecrim e Mangerona", no Trindade, pelo Teatro Experimental do Porto. O público de Lisboa encheu o teatro. riu-se e aplaudiu novamente a obra de António José da Silva, "primo carnal de Goldoni e de Molière, tão bom como Sheridan ou como Marivaux", no dizer de António Pedro, o artista que criou o Teatro Experimental do Porto e que tirou agora do esquecimento-esta engra- çadissima peça, prestando assim justa homenagem ao seu autor. Só foi pena que um doloroso pensa- mento não nos tivesse deixado gozar, plenamente, a beleza e a alegria do espectáculo. Enquanto o público aplaudia com entusiasmo e se ria com verdadeiro prazer, enlutava-nos a alma a lembrança triste de que .António ]osé da Silva foi queimado na fogueira do Santo Oficio. no dia 18 de Agosto de 1739, apenas com trinta e quatro anos de idade! Custa-nos a acreditar que, naqueles tenebrosos tempos em que existiu a Inquisição em Portugal, os homens fos- sem capazes de cometer tão monstruoso crime, A nossa consciência revolta-se, o nosso coração confrange-se só de pen- sar que aquele mesmo povo, que enchia o teatro epara quem António José escrevia, assistiu impassível à sua horrorosa morte, sem um protesto, sem um grito de indignação e de dor! Todas as atrocidades, praticadas pelo Santo Ofício, nos causam pavor, mas mais ainda quando a pessoa atingida era um talento como 0 malogrado autor de "Guerras do Alecrim e Mangerona". A sua morte não foi somente uma perda irrernediável para a sua familia e para os seus amigos: foi também um rude golpe para o teatro português. Com o desaparecimento de António José da Silva, a Pátria ficou roubada no seu património artístico. Portugal não pode guardar todos os tesouros que aquela inteligência brilhante lhe teria oferecido, se os algozes lhe tivessem dado tempo de acabar a sua obra. Se, tendo sido morto tão jovem, nos deixou ainda as peças a que acima nos referimos, quanto não teria ele enrique~ cido O nosso teatro se tivesse vivido a sua vida até ao fim? E surge-nos oufra interrogação, igualmente dolorosa: de que crime foi acusado este homem cheio de talento? A sua origem judaica. De nada lhe valeu ser baptizado e ñlho de baptizados. A Inquisição tam- bém não poupava os cristãos-novos e bastava esse facto para que o Santo Ofício o vigiasse constantemente, pro- curando descobrir, na sua obra e nas suas sátiras, intenções que ele não teve e interpretando as suas palavras como
N.º 156, Tishri 5719 (Set 1958)
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